terça-feira, 15 de novembro de 2011

‘Ainda vivemos numa infância constitucional’, diz historiador


Em livro, Marco Antonio Villa analisa todas as Constituições que país já teve.

O escritor Machado de Assis permanece atual e o Brasil ainda vive a sua "infância constitucional". Essa é uma das conclusões do historiador Marco Antonio Villa, que lançou semana passada seu novo livro, "A História das Constituições do Brasil", pela editora Leya. A obra analisa as sete Constituições que o país teve desde sua independência, em 1822. 

— Como diz o Machado de Assis, ainda vivemos numa infância constitucional. Temos um problema terrível. Os direitos das Constituições nunca foram efetivamente implementados — diz Villa, em referência ao livro "O velho Senado", em que Machado relata sua estreia no jornalismo político, em 1860.

Para Marco Antonio Villa, há características em comum entre todas as Constituições:

— Prolixidade, detalhismo e uma dissociação entre o Brasil da Constituição e o real — diz o autor, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Nas 156 páginas, Villa apresenta embates políticos, conflitos e costumes que marcavam a sociedade brasileira na época da promulgação das Constituições, desde a primeira em 1824, ainda no Império, até a atual, de 1988. Cada uma das Cartas ganhou um capítulo.

Em linguagem direta e objetiva, o historiador destaca as curiosidades dos textos. Foi ao se deparar com o que chama de "absurdos" das Constituições em pesquisas para livros anteriores, como "Jango, um Perfil" e "Canudos, o Povo da Terra", é que quis se debruçar por um ano sobre todas as Cartas.

A de 1891, a primeira da República, estabelece, por exemplo, que Dom Pedro II teria direito a uma pensão, de que depois o próprio acabou abrindo mão. Também determina que o Estado iria adquirir a casa onde viveu Benjamin Constant, um dos articuladores da República, e instalar ali uma lápide. Diz ainda que a viúva de Constant poderia viver lá até morrer:

— Isso não é coisa para estar em uma Constituição.

Para ele, a principal característica dos textos constitucionais até 1967 foi o autoritarismo.

— As constituições acabam limitando as liberdades e dando imenso poder ao Estado, especialmente a partir dos anos 30 — diz Villa.

Já a Constituição de 1988, para ele, mudou esse cenário:

— A Constituição de 88 muda a história nacional. Ela concede amplos direitos, essa relação Estado X sociedade civil é refeita. Muitos dos problemas de hoje não são culpa da Constituição. São culpa do exercício dos Poderes.

"Sem dúvida a melhor das constituições brasileiras", a Carta de 1988, na visão do historiador, ajudou a consolidar a democracia.

— Se fosse colocar uma data na democracia brasileira, seria 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada. Não tem mais esse Estado que oprime a sociedade. Mas foi a constituinte mais longa do mundo ocidental dos últimos 50 anos.

Até março, 67 emendas constitucionais aprovadas

De acordo com Villa, os demais problemas passam pelo detalhismo e pela extensão do texto: são 250 artigos.

— A Constituição tem esse defeito, de querer interferir excessivamente na vida do cidadão, querer normatizar tudo. A Constituição tem que dar princípios básicos. A normatização vai se dar por leis, decretos etc.

Até março deste ano, 67 emendas constitucionais haviam sido aprovadas.

— A Constituição americana teve até hoje 27 emendas, sendo que dez foram aprovadas em 1791 com a declaração dos direitos. De lá para cá, foram apenas 17 emendas.

O último dos capítulos do livro do professor da UFSCar é dedicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a corte responsável por zelar pelo cumprimento da Constituição.

— O Supremo tem uma enorme dificuldade em ser um tribunal constitucional. Nunca conseguiu ser efetivamente um defensor do cidadão. Está amarrado a interesses corporativos e ao Executivo — diz o professor.

Villa acredita que a forma de nomeação deveria ser discutida e destaca na obra que, na história republicana, o Senado, que tem esse poder, nunca rejeitou um nome indicado pelo presidente para a Corte.

Mesmo com os problemas da Constituição em vigor, o historiador é contra uma revisão, como proposta recentemente pelo PSD, o novo partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

— Revisão é golpe. É abrir campo para a perpetuação no poder. Sou radicalmente contra — afirma.


FONTE: O GLOBO 






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