terça-feira, 31 de agosto de 2010

Humor nas eleições

Nesta quarta-feira (1º/9), o Plenário do Supremo Tribunal Federal deverá decidir se ratifica ou derruba a liminar concedida pelo ministro Ayres Britto que liberou o humor e as piadas com referências a candidatos durante o período eleitoral. O julgamento da liminar é o primeiro item da pauta do tribunal.
A decisão de Britto fez nascer a preocupação entre advogados eleitorais de que, sem a regulamentação, as TVs e rádios pudessem passar dos limites ao criticar determinados candidatos, mesmo sob a forma de humor, a ponto de desequilibrar a disputa. O temor é o de que a liminar tenha aberto a porta por onde podem passar não só opiniões legítimas, mas toda sorte de manipulações e achincalhe entre adversários. E não apenas nos programas humorísticos, como em todo o noticiário e no horário eleitoral gratuito.
O ministro Ayres Britto tem resposta para esse e os outros questionamentos e deve apresentá-los nesta quarta, ao defender sua liminar que suspendeu o inciso II do artigo 45 da Lei 9.504/97 (Lei Eleitoral). Parte da defesa está na própria liminar. Britto considera que o humor é um estilo de se fazer notícia. Ou seja, a categoria dos humoristas também pertence à imprensa. E como tal, deve ter a máxima liberdade de expressão.
Britto sustenta sua tese no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, que derrubou a Lei de Imprensa. Na ocasião, se considerou que a lei que regulava a imprensa feria o direito fundamental à livre manifestação do pensamento, à livre expressão da atividade intelectual e artística e ao acesso à informação. O mesmo raciocínio servirá de base para a defesa da liminar.
Por isso, o ministro não se renderá aos argumentos de que abriu uma porta pela qual passará toda a sorte de ataques desmedidos. Demonstrará que, ao contrário, se preocupou com a repercussão da decisão ao interpretar o inciso III do mesmo artigo de lei e criar uma salvaguarda, um soldado de reserva, que garantirá que as críticas e sátiras mantenham-se dentro dos limites razoáveis.
A decisão conferiu ao inciso III do artigo 45 da Lei Eleitoral interpretação conforme a Constituição nos seguintes termos: “considera-se conduta vedada, aferida a posteriori pelo Poder Judiciário, a veiculação, por emissora de rádio e televisão, de crítica ou matéria jornalísticas que venham a descambar para a propaganda política, passando, nitidamente, a favorecer uma das partes na disputa eleitoral, de modo a desequilibrar o princípio da paridade de armas”.
A posteriori porque na concepção mais do que conhecida do ministro qualquer limitação prévia é censura. A análise de Ayres Britto partirá do pressuposto de que a regra suspensa por ele foi, sim, feita para limitar o humor nas eleições, o que seria inadmissível. Isso porque, além da montagem e trucagem, a lei veda o uso de quaisquer recursos de áudio e vídeo.
Outro argumento que será levantado em plenário é o de que a lei sempre existiu, nunca foi questionada e até hoje não se tem notícia de que um humorista ou chargista tenha sido punido por fazer humor político, mesmo no período eleitoral. Na avaliação de ministros do Tribunal Superior Eleitoral que são favoráveis à limitação imposta pela lei, ela impede o abuso, não a sátira.
Sobre estes pontos, Ayres Britto deverá sustentar que a decisão o Supremo na ADPF 130 foi tomada há cerca de dois anos. Ou seja, a regra foi questionada no tempo correto. E também mostrará que a minirreforma eleitoral do ano passado (Lei 12.034/09), ao especificar o que é trucagem e montagem, limitou o campo de atuação dos humoristas.
De acordo com o entendimento do ministro Britto, a linguagem da regra que veda os recursos técnicos necessários à sátira televisiva e radiofônica é imprecisa. Por isso, merece ser suspensa e os casos de propaganda ou contrapropaganda que desequilibrem o pleito devem ser analisados em processos individuais pela Justiça Eleitoral, sem regra geral que impeça previamente o exercício da liberdade de expressão, seja na forma de humor ou de notícia.

Por Rodrigo Haidar

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS: A IMPORTÂNCIA DA REPRESSÃO JURÍDICA

Tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 4.548/98, que propõe a modificação da redação do art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais, o qual considera criminosas as ações de ferir, mutilar, praticar abuso e maus-tratos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.
Pretende-se, com essa propositura, suprimir parte do texto do aludido dispositivo legal, de molde a excluir da proteção penal os animais domésticos ou domesticados.
Ao se levar adiante tal Proposta Legislativa, será reputada ilícita apenas a prática de crueldade contra animais silvestres, nativos ou exóticos. Com isso teremos a abominável situação: torturar uma espécie da fauna, como um macaco, será considerado um ato criminoso reprovável, ao passo que jogar ácido ou torturar um cão ou gato será um irrelevante penal. 
Por que proporcionar tratamento díspar a situações assemelhadas? A reprovabilidade da conduta do autor não é a mesma em ambas as formas de crueldade praticadas, isto é, não estaríamos diante do mesmo desvalor da ação, o que conduziria a idêntica punição? 
Segundo a justificativa do Projeto, a criminalização desses atos colocaria em riscos tradições existentes em nosso território, como festividades envolvendo animais domésticos e domesticados, entranhadas na cultura popular,  e que se revestiriam de inegável relevância econômica.  Além disso, o art. 64 da Lei das Contravenções Penais já puniria tais ações.
Ora, deixar de considerar crime toda forma de crueldade contra animais domésticos ou domesticados, a pretexto de que o art. 32 da Lei impede uma atividade cultural e econômica específica, como a vaquejada, rodeios, etc. é um gritante contra-senso.
Argumentos econômicos não podem servir de alegação para justificar atos de crueldade. Se a Constituição Federal, no inciso VII do §1º do art. 223,  determina a punição de atos de crueldade contra animais[1], não cabe ao legislador ordinário restringir a proteção legal.
Nem se propugne que o art. 64 da Lei das Contravenções Penais[2],  que também tipificava a crueldade contra animais, serviria de “soldado de reserva”, na medida em que, com o advento do art. 32 da Lei n. 9.605/98, aludida contravenção acabou sendo revogada pelo mencionado Diploma, cuja tutela é específica e mais abrangente, com imposição de penas mais severas. 
Portanto, o art. 64 da LCP não mais existe no mundo jurídico, de forma que, caso o art. 32 da Lei n. 9.605/98 tenha a sua redação suprimida, os animais domésticos e domesticados, que forem vítimas de crueldade, deixarão de ser objeto de qualquer proteção penal, estimulando os maus-tratos contra eles. Diante desse “vazio legal”, como ficarão os inúmeros relatos de comércio ilegal, agressões, mutilação, tortura em rinhas, extermínio, aprisionamento, abate ilegal, morte por  estricnina ou  meios cruéis etc?
Interessante alertar que estudos desenvolvidos pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) têm convencido a comunidade  no sentido de que os atos de crueldade contra animais podem ser os primeiros sinais de uma violenta patologia que pode incluir vítimas humanas. Assim, os chamados serial killers, muitas vezes, iniciam o processo matando ou torturando animais quando crianças[3]
Por força disso, o Estado não pode compactuar com qualquer forma de crueldade, inclusive, contra animais, pois também é uma forma de violência manifestada pelo homem que pode se convolar em atos mais graves e reprováveis contra a própria sociedade.
Note-se que, por se tratar de grave questão, tem surgido um forte momento social no sentido de compelir os Poderes Públicos a adotarem medidas protetivas mais contundentes, a fim de evitar tais ações reprováveis contra os animais domésticos ou domesticados.
Que a comunidade, portanto, se mobilize pela proteção de todos os animais, silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, sem qualquer discriminação, pois a repressão de qualquer forma de crueldade, tortura, maus-tratos constitui acima de tudo um postulado ético-social do Estado Democrático de Direito.



[1] Reforçando a tutela aos animais domésticos ou domesticados, vale mencionar que o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934,  em seu  art. 1º já assegurava, outrora, que “Todos os animais existentes no País são tutelados pelo Estado”. O art. 17, por sua vez, já rezava que “ A palavra animal, da presente lei, compreende todo ser irracional, quadrupede ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos”. O art. 2º, § 3º , finalmente, já previa que: “Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais”.
 
[2] Art. 64 da LCP: “Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena- prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa.
§1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto a público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público”.

[3]Disponível em: http://www.peta.org/mc/factsheet_display.asp?ID=132. Acesso em: 26/03/2010.

Fernando Capez. Jurista.

Fonte:  http://www.novacriminologia.com.br/Artigos/ArtigoLer.asp?idArtigo=2787



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Publicidade em excesso dos autos atrapalha a defesa

A forma e a insistência da imprensa ao cobrir um caso criminal podem definir o futuro de um réu — culpado ou inocente. Quando há um conflito de interesses, como o da publicidade do processo versus garantias individuais, nenhum direito é absoluto. É o que afirma a advogada Flávia Rahal ao criticar a publicidade e o sigilo excessivo dos autos. “A publicidade do processo penal precisa ser repensada”, assevera. Para ela, o direito à informação tem limites e não deve ferir garantias e direitos individuais.
No 16° Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que acontece em São Paulo, a advogada palestrou sobre a opressão da publicidade no processo criminal. Acompanhada da juíza federal Simone Shreiber, da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, elas mencionaram julgados que demonstram que direito à informação é tão importante quanto garantir que a defesa de um acusado seja efetiva.
De acordo com Flávia Rahal, o direito à publicidade dos atos processuais surgiu na França, o que significava algo mais amplo: acesso à Justiça e direito de defesa. Em muitos períodos sombrios da sociedade, o réu não tinha direito de defesa. “Na inquisição, os autos eram absolutamente sigilosos”, lembra. “Mas, o que em princípio parecia ter somente pontos positivos se tornou com o passar do tempo tão acusatório quanto a própria inquisição. Hoje, os inquéritos e ações penais abastecem a imprensa com a justificativa de dar transparência à Justiça”, diz.
Ela destaca que casos que ganham as páginas dos jornais e ocupam as inserções na televisão geralmente atrapalham a realização da Justiça. “A mesma Justiça que prende arbitrariamente por pressão pública um acusado, irá mais tarde soltá-lo”, indica. A advogada, em sua exposição, relembrou casos amplamente noticiados que resultaram em espetáculos midiáticos sem se levar em conta os direitos e garantias individuais.
No mais recente deles, o do goleiro Bruno, ela aponta que os jornais tiveram acesso aos depoimentos dos réus antes dos advogados, que precisaram ainda recorrer às instâncias superiores para poderem exercer a defesa. Além disso, vazamentos de vídeos não autorizados pelo réu dentro do avião, quando estava sendo transferido para Minas Gerais, na sala do delegado e ainda dentro da penitenciária são cenas sem qualquer interesse para a sociedade, de acordo com a advogada. “Elas expõe e violam diretos”, completa.
“Mesmo com as delegadas afastadas, outros vazamentos aconteceram”, critica. Ela cita que o artigo 20 do Código de Processo Penal diz que cabe a autoridade policial decretar o sigilo do processo. Dessa forma, ela garante que o responsável é quem quebra o sigilo e não a imprensa que publica. “Quem tem acesso aos autos, deve respeitá-lo”, recomenda.
Flávia Rahal afirma que o sigilo processual deve ter a função de proteger os réus e não cometer irregularidades, como no caso citado, no qual os advogados sabiam por meio da imprensa o que a Polícia alegava. “Nestes casos, o sigilo oprime a defesa”, reforça.
O caso da morte da menina Isabella Nardoni é apontado pela advogada como outro exemplo de cobertura da imprensa que atrapalha a Justiça. “Tvs divulgaram em tempo real a reconstituição do crime, que foi feito em um domingo à tarde. E a sentença condenatória do casal foi lida, com a ajuda de altos falantes, na porta do Fórum e recebida com palmas e fogos pelas pessoas que estavam ali acompanhando de perto o Júri”, comenta.
Não ficou de fora da palestra da advogada o emblemático caso da Escola Base, no qual os donos de uma escola infantil foram acusados pela Polícia de abusarem sexualmente dos alunos. Jornais publicaram inúmeras reportagens com base em depoimentos de mães e afirmações de um delegado. Posteriormente, ficou comprovada a inocência dos acusados. Eles entraram na Justiça e conseguiram indenização contra veículos de comunicação.
“Casos como estes, muito repercutidos pela imprensa, têm consequências catastróficas”, lamenta. “Quando a ação penal vai para as páginas dos jornais há um pré-julgamento e um veredicto é estabelecido previamente”, diz. Para ela, o caso se assemelha a uma pintura que mostra uma execução em praça pública diante de pessoas que clamam por Justiça. Ainda sobre o Júri Nardoni, ela ressalta que pessoas que eram favoráveis ao casal foram retiradas da porta do Fórum, como o pastor que pedia o perdão dos réus.
Flávia Rahal afirma que um juiz não pode se deixar levar pelo clamor social para decidir. “As pessoas extravasam o rancor que é delas”, citando o ministro Cezar Peluso do Supremo Tribunal Federal, a advogada ressalta que uma notícia condena rapidamente um acusado.

Questão de imparcialidade
A campanha midiática pela condenação de um réu já levou a Suprema corte americana a anular julgamentos, como afirma a juíza federal Simone Shreiber. Mesmo sem critérios objetivos que indiquem a imparcialidade de jurados, em um caso de homicídio de grande comoção nacional em 1961, a corte entendeu que eles tendiam a condenar o réu antes mesmo do julgamento. “Lá, os jurados são questionados antes sobre sua opinião, e oito dos doze disseram que ele era culpado”, explica.
Outro recurso que pode ser utilizado é a transferência do julgamento para outra cidade que não esteja contaminada com o clamor, como em um processo de 1962. Como a veiculação da mídia tinha sido muito explorada, a corte aceitou o desaforamento para outro Estado. A Polícia divulgou um vídeo no qual o acusado não sabia que estava sendo gravado.
Outras irregularidades também podem levar a nulidade do julgamento. No processo em que um médico era acusado de matar sua mulher grávida o julgamento foi anulado após várias irregularidades constatadas. Entre elas, o vazamento da lista dos nomes dos jurados escolhidos. “Eles receberam cartas pedindo a condenação do réu”, indica.
Atualmente, a Justiça americana adota alguns procedimentos para garantir a lisura do processo. Em caso de comoção nacional, a lei estabelece que o réu deve ser preservado. Além disso, outras medidas visam assegurar a imparcialidade do Júri. O desaforamento e adiamento  podem impedir o envolvimento prévio dos jurados sobre um determinado réu. 
Polêmica, mas também utilizada, é a proibição de que pessoas envolvidas no caso falem com a imprensa próximo da data do julgamento. De acordo com a juíza, essa medida levanta críticas de que ela atenta contra a liberdade de expressão, direito garantido na Constituição.
Cuidados como a incomunicabilidade de jurados já são adotados pela Justiça brasileira, mas isso pode não ser suficiente. No Júri do casal Nardoni, por exemplo, os gritos de populares que pediam a condenação dos réus podiam ser ouvidos de dentro da sala de julgamento. Mas o assunto não é discutido em nenhuma jurisprudência no Brasil.
Segundo a juíza, o Supremo Tribunal Federal tem julgados que ressaltam a liberdade de expressão, porém, afirmam que ela não absoluta diante de outros direitos. Na Petição 27.027 no STF, Anthony Garotinho sustenta que foi alvo de grampos que estavam sendo divulgados pela imprensa. Para o ministro Sepúlveda Pertence, no caso, a liberdade de expressão não poderia se sobrepor ao direito individual do político.
No Habeas Corpus 82.424, um homem foi condenado por racismo ao produzir materiais editoriais de ódio contra os judeus. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, que tratava da Lei de Imprensa, o entendimento foi o mesmo. Também foi negada a Reclamação 9.428, do jornal O Estado de S. Paulo, que questionava a decisão judicial que o proibiu de divulgar qualquer informação sobre uma operação da Polícia Federal que investigava o filho de José Sarney, Fernando Sarney.
Liberdade de expressão com limitesPara a juíza Simone, a verdade jornalística não é mediada, a investigação não se sujeita a regras e, consequentemente, há a imprestabilidade de provas produzidas pela imprensa, como o uso de câmeras escondidas. “Ela não foi produzida dentro do devido processo legal”, endossa.
“O interesse da imprensa pelo fato criminal é legitimo, e faz parte da manifestação da liberdade de expressão, mas é preciso se atentar para o efeito judicial de uma campanha midiática”, observa. Ela aponta ainda que essa campanha já tem punição na Corte Européia de Direitos Humanos, contra um jornalista austríaco porque tentou influenciar um julgamento criminal de um político acusado de corrupção. “Ele foi condenado a pagar uma multa”, explica.
No caso, ela destaca que não é possível afirmar com segurança se as reportagens prejudicaram o julgamento, mas sim, avaliar a potencialidade delas.
*CONJUR