sábado, 18 de setembro de 2010

Desrespeito pela democracia abarrota o Judiciário

 A democracia se apoia sobre um pilar inafastável: todos se comprometem a respeitar as leis em vigor no país. Isso parece simples e óbvio, mas não é o que vem acontecendo no Brasil. A consequência direta desse desrespeito à distribuição dos poderes é uma busca descomunal da população pelo Judiciário.
De início, é bom lembrar que, segundo dados do Banco Mundial, o juiz brasileiro tem uma média de solução de processos na faixa de 1,4 mil ao ano. É uma das mais altas do mundo. Basta comparar com países como França, Itália, Inglaterra e Alemanha, onde o número de processos varia de 477 a 891 por ano.
Entretanto, esse número fica pequeno se passarmos ao exame dos processos relacionados ao direito do consumidor e da relação entre cidadão e Estado. Alguns Juizados Especiais Cíveis têm distribuição anual superior a 12 mil processos. Por outro lado, o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal reconhece ser o governo, nos seus níveis federal, estadual e municipal, o maior cliente do Judiciário.
Voltando aos Juizados, as grandes corporações, algumas com domínio de capital estrangeiro, estão entre as mais processadas. Elas insistem em negar respeito às leis do Brasil, que na área de proteção ao consumidor está em estágio de avanço reconhecido em todo o mundo. Entre as 30 empresas mais acionadas no Estado do Rio de Janeiro estão as de telefonia, energia elétrica, bancos, cartões de crédito, empresas de transporte – incluída a aviação – e planos de saúde. Todas explorando ramos de atividade cujo controle governamental deveria ser eficiente, seja pelas agências reguladoras, que nada regulam – com honrosas exceções – seja por órgãos como o Banco Central.
Essa quebra do princípio basilar da democracia, de cumprimento dos comandos legais, leva a um congestionamento do Poder Judiciário que impede o atendimento pronto às demandas não provocadas. Sim, porque as demandas provocadas dizem respeito àqueles processos decorrentes de questões repetitivas, com amplo julgamento em todas as instâncias, em um claro desrespeito aos poderes da República.
Recentemente, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou a reinstalação de Juizados Especiais em aeroportos para atender os reiterados desmandos das companhias aéreas. Nada mais equivocado e confortável para essas empresas, que desprezam a democracia em nome de seus interesses comerciais e financeiros. Pois, no caso dos atrasos de voos, que já viraram rotina em nossos aeroportos, o problema pulará do balcão da companhia para o do Judiciário. E aí, como atender ao mesmo tempo 800 ou mil pessoas em caso de atraso de cinco aeronaves, por exemplo? Qual a solução real a ser dada? Pode o juiz colocar um avião na pista para levar os passageiros a seu local de destino?
Quando se anuncia uma possível greve de funcionários de uma das maiores companhias aéreas, já se pode presumir o sofrimento e frustração de milhares de consumidores, que também não serão adequadamente atendidos pelos “milagrosos juizados”.
Enfim, a sociedade precisa que a República e a democracia sejam respeitadas pelo governo e que este faça com que as grandes corporações, inclusive as de capital transnacional, obedeçam às leis.
Esse sonho parece difícil de concretizar, pois o exemplo dado pelo atual presidente da República e os candidatos à sua sucessão, em aberto desrespeito à lei eleitoral e às decisões do TSE, mostram que a mudança precisa ser mais profunda.
Só assim, com a retomada do comando da lei e da ordem o Judiciário poderá exercer, dentro de limites razoáveis, o seu papel no estado de direito, atendendo os litígios naturais em uma sociedade na qual todos cumprem o pacto principal da democracia.

Fonte: CONJUR

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